“É humanamente impossível”: especialistas desmentem número de público divulgado em show de Lady Gaga no Rio

Análise técnica aponta exagero em números oficiais para eventos em Copacabana

A prefeitura do Rio de Janeiro anunciou que o show da cantora Lady Gaga, realizado no último sábado (3) na Praia de Copacabana, teria reunido 2,1 milhões de pessoas. A estimativa oficial superou inclusive os números do show de Madonna, ocorrido no mesmo local em 2024, que havia sido divulgado como tendo público de 1,6 milhão.

Contudo, especialistas em turismo e monitoramento de eventos voltaram a contestar a veracidade desses dados. Para Mariana Aldrigui, professora da Universidade de São Paulo (USP), a estimativa é “humanamente impossível”.

“Segundo alguns colegas que monitoram com drones, esse número supera em oito vezes a capacidade do lugar”, explica.

Limitações físicas da orla inviabilizam superlotação

De acordo com estudos recentes, incluindo pesquisa do Datafolha, a orla de Copacabana tem capacidade máxima estimada de 1,2 milhão de pessoas — isso já considerando sua extensão de 4,5 km e uma densidade populacional elevada.

“Mesmo considerando os obstáculos como a estrutura de palco, a densidade de pessoas e as barreiras físicas, seriam 6 pessoas por metro quadrado, o que daria 1 milhão, no máximo. Os números divulgados dão conta de 18 pessoas por metro quadrado, ou seja, fisicamente impossível”, alerta Mariana.

Vídeos do evento mostram pessoas dançando e se movimentando com liberdade, o que seria incompatível com um público tão denso. “Se fosse esse montante, não conseguiriam nem se mexer”, afirma a pesquisadora.

Números inflacionados e motivação política

Para a especialista, o principal motivo por trás da divulgação de números inflacionados é a pressão política e comercial. Eventos de grande porte tendem a atrair mais patrocinadores e retornos midiáticos quando são anunciados com recordes de público.

“Creio que nenhum gestor aceitaria reduzir muito o número em função de eventos anteriores. Por isso é importante checar como são estabelecidos os contratos de patrocínio, se o volume de pessoas muda as cifras de retorno”, completa.

O exemplo do show de Rod Stewart, que teria reunido 3,5 milhões de pessoas em 2023, é citado como outro caso duvidoso.

Falta de metodologia e ausência de imagens aéreas

Outro ponto crítico, segundo os pesquisadores, é a falta de metodologia transparente para as estimativas. Márcio Moretto, coordenador do Monitor do Debate Político do Cebrap, confirma:

“Quando não há uma metodologia transparente e pública, os números tendem a ser superestimados por parte dos interessados — sejam os organizadores ou, como neste caso, a Prefeitura do Rio”.

A área efetivamente ocupada pelo público, do Copacabana Palace até a Praça do Lido, tem cerca de 113 mil metros quadrados. Com uma densidade realista de 3 pessoas por metro quadrado, o público presente seria em torno de 500 mil pessoas, de acordo com Mariana Aldrigui.

Crítica construtiva e valorização real do impacto turístico

Os especialistas afirmam que não se trata de criticar a realização dos eventos gratuitos — que de fato são um sucesso —, mas sim de garantir análises realistas e sustentáveis.

“Para uma cidade turística, ter meio milhão de pessoas, das quais pelo menos 20% são turistas, é um sucesso absoluto. A questão é apenas dar às coisas o seu tamanho real, para gerar análises preditivas melhores e mais consistentes”, conclui Mariana.